Orwell, Bradbury ou Philip K. Dick como referências literárias

Texto de Cristina Alves, publicado no espaço on-line «Rascunhos» (https://osrascunhos.com) em Agosto de 2018, sobre o livro Seis Drones: novas histórias do ano 2045, de António Ladeira (ed. On y va)

 

Infelizmente não compareci ao lançamento na livraria Barata, em Lisboa, nem falei com ninguém que tivesse comparecido, mas parece-me que o autor sabe bem que pode ser enquadrado no género de ficção científica e não o esconde. Refere-se ao género na sinopse, e nas referências literárias que apresenta, com Orwell, Bradbury ou Philip K. Dick.

Também não li o outro volume do mesmo autor, Os Monociclistas e outras histórias do ano 2045 (mas já o acrescentei à lista de encomendas), mas o livro pode ser lido isoladamente sem interferir na interpretação do leitor. O que encontramos são seis contos que parodiam a tecnologia e a obsessão por segurança, dois elementos que, em conjunto, possibilitam a criação de sociedades altamente seguras (ou inseguras), controladas e claustrofóbicas.

No primeiro conto, que empresta o título ao livro, Seis Drones, encontramos um homem que se vê sem drones a meio de um percurso pedonal. Nada que nos pareça muito grave excepto quando a personagem tenta perspectivar como chegar a casa sem os drones – é que sem eles facilmente é alvo de publicidade ou de controlo estatal, podendo até levar com um míssil. A sua salvação advém de uma jovem que aceita acompanhá-lo, coisa rara naqueles dias.

Em O Objecto. os livros, como os conhecemos, desapareceram. Temos conhecimento desta realidade através de um idoso editor. Qualquer história clássica foi adaptada, não só pela difícil linguagem antiga, mas pelas referências que se tornaram irreconhecíveis. Moby Dick, por exemplo, reconhece estar errado na sua caça pela baleia, e termina os seus dias defendendo os cetáceos. As adaptações estão a cargo de uma série de trabalhadores do estado e ai de quem tente saber a versão original da história – é extremamente proibido.

Não são só os livros que se transformaram. Também o automóvel, sendo que já não é suposto saber conduzir um carro, mas sim informar a rede do destino e deixarmo-nos conduzir. Se o nosso percurso for autorizado. Há que dar espaço aos que trabalham, sendo que quem deseja apenas passear será considerado menos prioritário. Que dizer então de quem está reformado? Usar o automóvel para passear? Em rota livre? Que ideia tão absurda.

Em A Agência, o protocolo para viajar torna-se tão complexo que surgem cidades inteiras para possibilitar que o indivíduo viaje. As ameaças terroristas servem como justificação para ir aumentando o protocolo até que se termina com a criação de uma força muito especial.

Quando tudo em nosso redor responde à tecnologia, desde a abertura da porta de casa à roupa, torna-se possível uma verdadeira guerra tecnológica – guerra esta que leva a que alguns seres humanos escapem das cidades e permaneçam em cavernas, caçando.

No último conto, Falésia, um casal afasta-se das suas ocupações profissionais para se dedicar a perceber o mistério por detrás da janela nublada – uma janela que aparenta algum defeito que não conseguem depreender inicialmente, mas que mais tarde percebem dever-se a uma nebulosidade localizada.

Sem se afastar muito da época em que vivemos e usando possíveis desenvolvimentos tecnológicos (ou utilizações para tecnologia já existente), António Ladeira constrói uma série de pequenas distopias que castram as liberdades individuais para o bem de toda a comunidade, tendo como mote fazer com que os indivíduos não se apercebam do que estão a perder. Ou arranjando forma para que escolham, eles próprios, essa castração.

O resultado é uma série de bons contos com pontinhas de ironia relativamente à tecnologia e à forma como a dependência total pode dar mal resultado. Mesmo que a maioria dos indivíduos que se encontrem nesta sociedade não se apercebam.

Não falta algum nonsense nem a criação de realidades imaginadas (levando-se à questão dickiana de até que ponto é real o que nos rodeia), nem a alusão ao Fahrenheit 451 (ainda que menos quente) ou a Orwell (pelo controlo extremo das populações fazendo-as crer na preocupação pelo seu bem-estar). O resultado é de leitura leve e agradável, carecendo de sentido crítico e irónico do leitor para a sua compreensão.

[Texto: Cristina Alves; imagem Rascunhos]