Sobre «O Milagre do Entardecer», de António Souto

Texto de José do Carmo Francisco, publicado em Toronto, Canadá, no semanário «Milénio Stadium» (ed. 8 de Dezembro de 2023), sobre a segunda edição do livro «O Milagre do Entardecer» (ed. On y va), de António Souto.

 

António Souto (n. 1961) reúne neste volume de 136 páginas poemas dos seus primeiros livros: Horizonte Vertical, Arcanas Carícias, Na Lavra do Dizer, Caprichos e O Tempo das Palavras.

A chave do título está na página 39 – «rosas houve que se transformaram em lágrimas e/ lágrimas em rosas/ eis o milagre do entardecer». O ponto de partida é privado («Não foi em Abril que nasci/ foi noutro mês qualquer») e o ponto de chegada é público: «Pouco me importa já que a pátria seja a/ minha ou que império/ se o de camões de vieira ou de pessoa».

Temos de um lado a biografia («Nasci em finais de estio num/ lugar litoral do pensamento/ chama-se aldeia e tem a minha idade») e do outro lado a arte poética: «Desembaraço/ oculto ressaibo o da palavra/ a esmo a presunção de um verso/ cada letra no remanso/ de um signo gizado/ na lavra do dizer». Aqui se inscreve a Geografia; seja o Portinho da Arrábida («Escutar noite alta o arrastar do/ vento remoçando frente ao portinho/ redes perdidas»), seja Timor: «Quando as palavras são levadas na/ corrente pelo sangue e/ a vida se escoa ímpia pelas sarjetas».

Noutro plano temos a Aldeia («Na minha aldeia de manhãzinha/ saía-se à rua ao toque dos/ sinos em chamamento/ e vinham mulheres/ mulheres-vizinhas/ vestidas de missa e naftalina/ e os homens dormidos chegavam após/ com o domingo nos bolsos e chapéu a preceito») e temos a Cidade: «Andar à deriva pelas colinas da cidade/ sentir no empedrado clivoso da memória/ traços de história com porto e com cais».

Alguns dos livros de António Souto foram prefaciados por Urbano Tavares Rodrigues, João de Melo e Luiz Fagundes Duarte.

[Texto: José do Carmo Francisco]
16 de Dezembro de 2023