Arestas
Paul Valery defendia que o propósito da poesia não é comunicar pensamentos, mas sim dar à luz estados emocionais. É nesses estados que Sílvia M. Vasconcelos caminha na poesia, que vê como emocional, não racional ou pragmática como a ciência. «Na poesia é o coração que impera, e desnuda-nos», partilha, convocando uma ideia de Pablo Neruda, a de que a poesia tem comunicação secreta com o sofrimento das pessoas.
Em Arestas, a autora mostra-nos sobretudo afectos e lugares, «e é precisamente daí que parte a poesia», assinala. Vendo a expressão poética como de definição múltipla, que sempre brotará igualmente de múltiplas fontes – com a mais ancestral e contagiante a ser a nascente amor –, Sílvia M. Vasconcelos acredita que o maior propulsor da poesia, precisamente o amor, sujeita os seus artífices a uma linguagem metafísica nem sempre clara, nem sempre precisa. Uma linguagem na verdade etérea, pouco concreta. Mas sempre estética, e até crítica. Como mostra neste belo livro.
E depois há o mar. E a ilha. Natural da Madeira, a autora fala de uma relação visceral sem a qual é difícil viver, e com a qual, paradoxalmente, é difícil viver. «O mar desde cedo apontou-me caminhos de partida, talvez de escape, que porém se defraudavam ao dobrar o horizonte. É uma eterna inquietação atormentada por contradições: querer partir para logo depois ansiar regressar», diz. Uma espécie de bipolarização entre sedução e fascínio, de um lado, e do outro aprisionamento e sequestro.